pensando com Adriana Cavarero & Karen Blixen
um dos meus tantos hobbies é colecionar respostas para a pergunta:
para que serve uma análise?
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A filósofa italiana Adriana Cavarero diz, em Olha-me e narra-me, que a escritora Karen Blixen escreveu uma história de um homem que passou a madrugada tentando tapar o vazamento de uma lagoa. Na escuridão corre, tropeça, cai, corre, tropeça, cai, levanta, corre. No dia seguinte, já dia, pela janela vê que as suas pegadas deixaram uma marca no chão. Essa marca tem a forma de uma cegonha.
A partir da história, Blixen se pergunta: Quando o desenho da minha vida estiver completo, verei, ou outros verão, uma cegonha?. Cavarero acrescenta: o percurso de uma vida permite que, no fim, possamos olhá-lo como um desenho que faça sentido? O percurso de uma vida é como a noite desse homem, uma mistura de intenção com acidentes. Ainda assim, seus passos deixam para trás um desenho.
Ora, veja: não é o desenho que guia o percurso, mas aquilo que a vida deixa para trás, sem nunca poder prever, nem mesmo imaginar. Esse desenho é a história da sua vida. A história só vem depois dos acontecimentos e das ações. Entretanto, quem caminha no terreno não pode ver a imagem que seus passos deixam para trás. É preciso que haja outra perspectiva. Para isso, tomar distância. E assim enxergar. E, a partir do desenho, criar uma história que tente responder a uma outra pergunta: quem sou eu?
Cada ser humano é único, irrepetível, nunca o mesmo percurso, nunca o mesmo desenho. Nada responde mais ao desejo humano do que a narrativa da sua história, diz Cavarero. A história ajuda a suportar as dores. Ela revela o sentido daquilo que, do contrário, permaneceria como uma sequência intolerável de puros acontecimentos.
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Aqui penso: a análise como a aventura de contar-se.
